Apesar da carga negativa que ainda hoje está presente, a masturbação é considerada como parte de um processo de auto-conhecimento necessário para o desenvolvimento de uma vida sexual e afetiva mais harmoniosa, sendo também vista como uma resposta sexual biologicamente pura, visto que é auto-aprendida.
Suas funções vão variar de acordo com a fase da vida em que o indivíduo se encontre, embora deva-se levar em consideração que este não é um padrão rígido e a passagem de uma fase para outra vai depender do ritmo bio-psicológico de cada um.
Nesta fase, suas principais funções seriam a auto-descoberta e a obtenção de prazer relacionada à necessidade de conforto diante das situações afetivas para cuja resolução a criança ainda não está estruturada, tendo, portanto, um componente acalentador (Correia, 1997). Pode-se observar este componente claramente em algumas culturas, que usam o acariciamento dos genitais dos bebês como uma forma de acalmá-los, cessar seu choro ou mimá-los para conciliar o sono, como é o caso da tribo Alorese que foi citada anteriormente.
Alguns pesquisadores relacionam a prática masturbatória na infância com a imagem que o bebê tem da mãe: Quando privadas de cuidados normais da mãe, constatou-se uma carência notável de jogos masturbatórios: se angustiadas ou frustradas, elas atacavam ou acariciavam os objetos e pessoas que as circundavam, como se fossem incapazes de restabelecer o equilíbrio psíquico com a ajuda do próprio corpo. Ao contrário, as crianças que recebem um bom cuidado materno se aliviam através de atividades auto-eróticas. (Suplicy, 1990)
A criança também pode, através da masturbação, dar sinais sobre o nível de satisfação dos seus relacionamentos com os adultos. Quando suas necessidades afetivas básicas não estão sendo devidamente preenchidas, é comum a adoção de um comportamento que geralmente desconcerta pais e educadores: a masturbação pública e obsessiva.
Nesses casos, faz-se necessário um trabalho junto aos pais, uma ressocialização e aceitação da criança junto aos colegas, além de um trabalho terapêutico e pedagógico com a criança, no sentido da sua reestruturação emocional e de propor-lhe vivências e atividades prazerosas, em termos de estratégias de ensino-aprendizagem que contemplem o componente lúdico e que sejam ricas não apenas cognitivamente, mas também emocionalmente satisfatórias. (Correia, 1997)
É preciso fazer com que a criança compreenda e internalize o caráter privado que a nossa cultura atribui a certos atos, como os sexuais por exemplo; mas isso deve ser feito de uma maneira natural, sem que se recorra a julgamentos morais ou religiosos.
Adolescência
Nesta fase a masturbação continua exercendo as funções exploratória e acalentadora que exercia na fase anterior, mas vai passar a funcionar também como uma prática preparatória para o relacionamento a dois, além de ajudar o adolescente a:
- familiarizar-se com sua nova imagem corporal, resultante das transformações anatômicas e fisiológicas;
- aliviar as tensões de um meio social que lhe projeta expectativas para as quais, muitas vezes, não se acha preparado;
- compensar dificuldades no contato afetivo e social;
- transportar-se para a dimensão subjetiva através da fantasia;
- equilibrar os impulsos sexuais;
- combater a solidão;
- substituir o (a) parceiro (a) quando, por timidez, tem dificuldade de compartilhar sua intimidade sexual e afetiva;
- fornecer um meio seguro de experimentação, sem o perigo de contrair DSTs;
- explorar o seu potencial sexual sem testemunhas, pelo medo de falhar e de se expor a julgamentos;
- aumentar a autoconfiança sexual, necessária para um relacionamento a dois;
- promover o equilíbrio emocional num estágio de insegurança pelos sentimentos ambivalentes experimentados na adolescência (Correia, 1997).
Vida Adulta
Apesar de alguns acreditarem no contrário, na fase adulta a masturbação continua sendo uma importante fonte de gratificação sexual e, para muitas mulheres, constitui-se no único meio de obtenção de orgasmos.
Através dela, o adulto pode sentir-se dono do seu próprio prazer, sem precisar submeter-se a uma relação a dois não gratificante apenas para obter prazer sexual, além dela poder tornar-se uma demonstração de amor próprio, visto que este será um tempo que ele dedicará só a exploração do seu próprio corpo e à procura do prazer. É um momento reservado para ouvir os desejos do corpo.
Como funções mais específicas desta fase, pode-se citar:
- relaxar após atividades estressantes;
- compensar a ausência de um parceiro;
- aliviar a tensão sexual após a cópula entre parceiros que funcionam em ritmos diferentes e que não tenham alcançado o orgasmo;
- imprimir aos jogos eróticos uma reação sinestésica, libertando-se dos reducionismos da mera penetração vaginal, tão comum nos relacionamentos prolongados;
- isentar-se de um relacionamento arriscado e descompensador;
- viver um prazer autoconquistado, isentando-se da dependência emocional que ocorre na relação a dois;
- liberar a criatividade e "viajar no bonde da fantasia", vivenciando situações que muitas vezes não são aceitas pelo (a) parceiro (a);
- obter a ereção desejada para a realização da cópula (Correia, 1997).
Seria útil falarmos mais detalhadamente sobre a questão da masturbação dentro do relacionamento, visto que muitas pessoas têm a tendência a achar que quando se tem um parceiro fixo e ainda assim se recorre à masturbação, isso é sinal de algum tipo de "problema"...
Neste caso, por "problema" deve-se entender duas interpretações distintas da situação: na primeira, o (a) parceiro (a) pode sentir-se ineficaz, desinteressante, incapaz de proporcionar um orgasmo ou de excitar o (a) companheiro (a), o que, além de prejudicar sua auto-imagem, causa diversos prejuízos à relação.
A segunda interpretação é quase que diametralmente oposta; enquanto na primeira o indivíduo toma a "culpa" para si, nesta ele a atribui ao (a) parceiro (a), acusando-o (a) de anormal, maníaco, etc., o que também vai causar danos sérios à relação.
Para evitar esse tipo de situação, a melhor conduta parece ser o diálogo franco e aberto. Os parceiros devem conversar abertamente sobre a questão, expondo suas opiniões e, se for o caso, procurar obter maiores informações a respeito, como também terem a consciência de que a diferença de ritmo entre eles tem que ser superada ou compensada de alguma forma, de modo que a relação sexual seja gratificante e prazerosa para ambos.
Foi visto anteriormente que já houve muito mais preconceitos com relação à masturbação do que há hoje; e pior ainda, os castigos dados aos que ainda assim ousavam praticá-la eram muito mais severos. Além da culpa por estar praticando algo "moralmente condenável" e "por se ver privado do amor de Deus", o indivíduo ainda corria o risco de ser mutilado ou mesmo queimado em praça pública; e ainda assim continuaram a surgir novas gerações de masturbadores.
Bom, se não é possível acabar com esse "vício terrível" (felizmente!) deve-se fazer o máximo para encará-lo da forma mais natural possível, de modo a não imputar nas próximas gerações a noção de culpa e pecado que foi imputada na nossa e nas suas antecessoras.
Deve-se preparar as próximas gerações para uma vivência mais legítima da sexualidade, encarando-a como parte integrante do processo mais amplo de viver.